O levantamento, ouviu 200 mulheres conselheiras – 94% atualmente em conselhos ou comitês e 6% que já ocuparam esse lugar no passado – destaca o alto nível de qualificação das profissionais, a diversidade de expertises e de geração e indica alguns dos principais obstáculos para a ascensão feminina aos conselhos.
Por Adriana Fonseca — Para o Valor, de São Paulo
Cerca de 14% das cadeiras de conselhos hoje, no Brasil, são ocupadas por mulheres nas empresas de capital aberto. Desde que se começou a falar da importância da diversidade de gênero nos “boards” das companhias, esse número vem aumentando vagarosamente. Doze anos atrás, quando a organização americana Women Corporate Directors (WCD) Foundation chegou ao Brasil, ouvia-se no mercado que faltavam executivas capacitadas para ocupar tal função – um discurso ainda reproduzido atualmente. No entanto, uma recente pesquisa, feita pela WCD no Brasil, mostra que essa não é bem a realidade. “Quando fazíamos a sensibilização, ouvíamos muito que não tinha mulher preparada para atuar em conselho. Não é verdade. Temos menos mulheres, porque entramos há menos tempo no mercado corporativo, ainda há menos executivas, CFOs e CEOs mulheres e aí chega menos nos conselhos. Mas não significa que não há mulheres capacitadas”, diz Mayra Stachuk, gerente sênior de relacionamento da WCD no Brasil.
A primeira edição do levantamento “Retrato da Conselheira no Brasil”, obtido com exclusividade pelo Valor, ouviu 200 mulheres conselheiras – 94% atualmente em conselhos ou comitês e 6% que já ocuparam esse lugar no passado – e mostrou que 93% têm um ou mais diplomas além do ensino superior. Os mais recorrentes são de especialização ou MBA (57%) e mestrado (27%). Sete por cento têm doutorado e 2%, pós-doutorado. Dentro da amostra, 47% têm certificações para conselheiros e 46%, de governança corporativa.
Stachuk observa que a diversidade de gênero nos “boards” acaba reunindo diferentes especialidades. “Conselheiros homens tradicionalmente vêm de finanças e engenharia, e foram previamente CEO ou CFO, já as mulheres trazem olhar forte em sustentabilidade, inovação e transformação digital, RH e gestão de pessoas”, diz. Segundo a pesquisa, 28% das conselheiras são formadas em administração, 16% em finanças e 12% em engenharia e direito. Também aparecem psicologia (7%), biológicas (4%), física e matemática (3%), tecnologia (3%), ciências sociais (2%) e pedagogia ou educação (1%).
Entre as entrevistadas que estão em conselhos (189 do recorte de 200), 48% atuam também como executivas. Os principais cargos são de CEO (29%), diretoria executiva ou head de área em multinacionais (26%) e sócias ou sócias-fundadoras (24%). Também aparecem como CFO (10%), CHRO (6%), CMO (3%) e COO (2%).
A diversidade de gênero acaba, também, rejuvenescendo os conselhos, diz Stachuk, já que as mulheres chegam ao “board” mais jovens que os homens, de forma geral. Entre as entrevistadas, 35% têm entre 31 e 50 anos. Mais da metade chegou ao conselho com mais de 40. “Conselheiros mais jovens complementam a visão das outras gerações e é muito rica essa provocação. Trazem uma visão que nos faz aterrissar no aqui e agora”, diz a conselheira Inês Souza, cochair da WCD no Rio de Janeiro.
O levantamento mostra que entre a decisão de concorrer a uma posição em conselho e assumi-la, 39% investiram de um a cinco anos – e 8% disseram ter se preparado por mais de cinco anos.
Entre as conselheiras atuantes, a diversidade racial e de orientação sexual é quase zero. Entre as pesquisadas, 97% são brancas e 98%, heterossexuais. Mulheres com filhos representam 82% da amostra. “Na minha geração havia resistência da mulher com filho seguir na carreira”,
comenta Souza. “Esse número é uma mensagem importante para as gerações mais jovens. Só teremos mais mulheres no topo da pirâmide se houver mais mulheres nas bases. E aí é muito importante o papel da empresa e do conselho, criando as condições internas para a mulher querer ter essa carreira e lutar pela sua posição de liderança na empresa.”
Lisiane Lemos, confundadora do Conselheira101, iniciativa da WCD criada em 2020 e focada em ampliar a participação de mulheres negras nos conselhos, diz que quando se fala de igualdade de gênero, é preciso falar de interseccionalidade. “É uma visão de negócio que a gente acrescenta, porque são pouquíssimas as pessoas com esse perfil que chegam aos conselhos”, afirma.
Quando questionadas sobre a representação feminina considerando uma média dos conselhos em que atuam ou já atuaram, apenas 8% disseram que as mulheres são 30% do colegiado. Oito por cento apontaram a presença de mulheres entre 30% e 50% e somente 1% teve a experiência de participar de um conselho onde as mulheres fossem mais de 50% do colegiado. A maioria (63%) sinalizou a representatividade feminina como menor do que 30% e 20%, inexistente ou muito rara.
Os principais obstáculos para a ascensão feminina aos conselhos, ilustra o levantamento, são o networking, a resistência à mudança e os vieses inconscientes. Mas as conselheiras relatam ser ouvidas – sempre, 80%, e eventualmente, 19% -, o que demonstra que as empresas que as recrutam estão interessadas nessa voz. Carla Bellangero, sócia da KPMG no Brasil e co-chair da WCD no Rio de Janeiro, comenta que a entrada das mulheres nos conselhos trouxe mais questionamentos. “Sempre que eu vejo uma mulher fazendo perguntas, a gente vê uma dinâmica diferente”, diz. “É enriquecedor. Esse é o papel do conselheiro, fazer as perguntas corretas.”
Em relação ao networking, Marienne Coutinho, sócia da KPMG no Brasil e co-chair da WCD São Paulo, diz que a mulher, muitas vezes, é tímida em falar de sua expertise e experiências. Ainda que isso esteja no banco de dados formal, como no caso da plataforma da WCD, disponibilizada para quem busca recrutar conselheiras, é preciso tornar a informação pública de outras formas, diz. “Deixar evidente no informal, tomar café, participar de evento, a gente precisa explorar mais isso.”
A maioria das entrevistadas (61%) disse já ter indicado outra mulher para um cargo em conselho, sendo que 40% dessas indicações se concretizaram.