Mulheres ocuparam 124 novas posições em conselhos de empresas

Pesquisa entre as associadas da organização WCD traz que, dessas vagas, 58 são assentos em conselho de administração.


Por Naiara Bertão, Valor Investe — São Paulo
24/06/2021 06h00

As mulheres estão ocupando mais espaços em conselhos de empresas. Ufa! Apesar de o percentual de mulheres conselheiras não ultrapassar os 20% em nenhum ranking, de nenhuma consultoria, estamos caminhando. É o que mostra um levantamento feito pela WomenCorporateDirectors (WCD), organização global que atua no fomento da diversidade em conselhos de administração, e divulgado com exclusividade pelo Valor Investe.

A partir de sua base de associadas, que hoje está em 267 mulheres, a WCD apurou que as mulheres passaram a ocupar 124 novas posições em 2021 em diversos colegiados, de empresas públicas, privadas, de capital aberto e fechada, considerando que uma mulher pode ocupar mais de um assento. Do total das associadas da WCD, 81 mulheres assumiram novas posições em diversos tipos de conselhos este ano.

Do total de novos assentos conquistados, 58 são só em conselho de administração (CA), o órgão máximo de uma empresa, cuja função é supervisionar o executivo e ajudar a pensar na estratégia futura da empresa. Todas são conselheiras efetivas (e não suplentes), sendo que 19 mulheres entraram pela primeira vez num conselho de administração.

Juliana Buchaim, Marise Barroso e Ana Lucia Caltabiano são três exemplos de profissionais que conseguiram posições como membros efetivos de CAs no mandato de 2021 a 2023. Marise é a mais experiente na função: já atua em conselhos desde 2015, quando entrou na Artecola Química, a primeira mulher no colegiado. De lá para cá foram vários: Instituto Akatu, Marelli, Docile Alimentos, Prática Klimaquip (representando o BNDESPar), Mills, InterCement e Amata, sendo que nos últimos cinco boards ela continua.

“Há uma enorme oportunidade no Brasil de trabalhar no desenvolvimento de empresas brasileiras, familiares, estabelecer padrões e processos de governança. As empresas familiares que montam o conselho é porque querem ter o conselho, já que não tem demanda legal. É uma oportunidade e tanto”, diz ao Valor Investe Marise.

De fato, as empresas familiares são mais numerosas do que as de capital aberto, que devem ter o colegiado. Dentro das 58 posições em CA que associadas do WCD conquistaram este ano, menos da metade, 23, são em empresas de capital aberto. As outras 35 compreendem companhias de capital fechado, startups/scale ups e empresas do terceiro setor.

Além das vagas em conselhos de administração, 26 posições em conselhos consultivos/deliberativos foram ocupadas este ano por mulheres, outras 12 em comitês de auditoria e mais 15 em conselho fiscal (dessas, 3 reeleitas e 2 suplentes). As 13 restantes (dentre as 124 vagas) são em comitês de conselhos, como o de Pessoas, Sustentabilidade e outros, que funcionam como a porta de entrada para muitas conselheiras.

O conselho consultivo é, inclusive, apontado como uma boa porta de entrada para quem quer ganhar experiência para os de administração, assim como a própria experiência como líderes de organizações. Juliana Buchaim, recém-eleita como membro efetivo do conselho de administração da Arezzo, já estava há mais de dois anos no conselho consultivo de empresas menores antes de assumir essa posição no grupo de moda.

“Meu nome foi sugerido por pessoas que conhecem o meu trabalho com profundidade e tiveram confiança em me indicar. As conversas fluíram muito bem. Não passei por headhunters, mas claro, o meu nome passou por diversos filtros e trocas até a conclusão do processo”, diz.

Sócia da gestora de investimentos Sumauma Capital, ela precisa, em seu dia a dia, como gestora e analista de ações, habilidades técnicas como domínio de finanças corporativas, análise estratégica, análise de cenário macroeconômico, compreensão setorial, concorrência etc., o que lhe dá conhecimento para estar em um colegiado.

Sua experiência como consultora de estratégia e inovação na Orgânica Evolução Exponencial, de 2018 a 2019, e em trabalhos pro bono, como no comitê de seleção de projetos de impacto social do Quintessa, ajudam a ter visão estratégia também bem quista.

A minha carreira executiva contribuiu e contribui demais para o trabalho como conselheira”, comenta Juliana.

Mas ela chegou até a recusar propostas que não achava que pudesse contribuir. “A preparação técnica é essencial para desenvolver um bom trabalho, mas não é o que vai garantir a posição. Algumas estrelas têm que estar alinhadas. É uma posição de confiança”, diz ao Valor Investe, citando, por exemplo, qualidades comportamentais (as chamadas “soft skills”) como compreensão da dinâmica corporativa, espírito colaborativo e habilidade de enxergar situações pela perspectiva alheia.

Mudanças à vista

Para Leila Loria, co-presidente da WCD (Women Corporate Directors Foundation), a pandemia até ajudou, de certa forma, a acelerar o processo de inclusão de mulheres.

“Primeiro porque os temas ESG [preocupações ambiental, social e de governança] entraram na pauta de forma intensa e a diversidade entrou juntoSabemos que mulheres têm mais sensibilidade aos temas de sustentabilidade que estão incluídos no ESG e também costumam ter participação maior nos comitês de sustentabilidade dos conselhos”, comenta.

Ela própria, Leila, entrou este ano no conselho de administração da processadora de proteína animal JBS como membro independente, função que passa a acumular com o assento que já ocupa no CA da empresa de energia Copel e agora também presidente do conselho do IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa). Além disso, é membro do Comitê de Pessoas e Remuneração das Pernambucanas e membro suplente do conselho consultivo da Anaconda Industrial.

Leila lembra que quando o WCD foi criado no Brasil – ele nasceu em 2001 nos Estados Unidos e seu capítulo brasileiro existe desde 2009 – havia tão poucas mulheres em conselhos que sua formação original foi de executivas, que acabaram posteriormente ocupando posições nos colegiados.

Hoje, das 267 associadas, ao menos 85% têm alguma posição em conselho ou em comitês de conselhos. As 15% restantes são CEOs ou parceiros estratégicos, como headhunters, representantes de private equity e associadas estratégicas que ajudam no relacionamento e na parte legal.

Uma é pouco, duas é bom e mais que três melhor ainda

O que antes era muito raro, hoje já mais fácil de ver: conselhos com não apenas uma, mas duas mulheresMarise, já citada na reportagem, é colega de Ana Lucia Caltabiano nos conselhos da Mills e da InterCement, empresa do grupo Mover (ex-Camargo Corrêa), que deve abrir capital em breve. Na InterCement, Marise foi a primeira conselheira mulher.

Quando entra uma mulher no conselho, a gente traz uma linha de pensamento e algumas características que são muito diferentes. Isso traz uma renovação ao conselho, sobretudo quando tem ‘background’ diverso dos demais membros. Durante muitos anos e ainda hoje vemos uma predominância de homens, brancos, héteros, de 50 a 70 anos, com formação financeira nos ‘boards’, mas já vejo mudanças”, diz Marise.

Diferentemente de Marise, sua colega Ana Lucia Caltabiano traz aos colegiados uma experiência profissional bem diferente: é diretora de Recursos Humanos da GE, empresa em que está há 12 anos. Além de autoridade em gestão de pessoas, o fato de ainda estar no mercado corporativo, em paralelo aos conselhos, ajuda a identificar dificuldades e oportunidades.

Ela passou sua vida profissional praticamente toda em multinacionais e chegou em um momento da carreira, há pouco mais de dois anos, que ficou sem saber para onde queria ir. Ela já tinha morado parte da carreira no exterior, tocado projetos globais do Brasil, e estava em uma função em que seu time já conseguia tocar o barco e ela ficava mais na gestão. Ou seja, dava para encaixar algo a mais.

Foi, então, por indicação de um amigo fazer o curso do IBGC de preparação para conselhos. Não demorou muito para vir um convite para concorrer a seu primeiro assento, na Mills.

“O formato da multinacional é de muita proteção. A ideia de entrar no conselho de uma empresa local, pequena e de controle familiar era algo muito diferente do que estava acostumada. Mas me permiti participar do processo seletivo e amei as pessoas e o desafio do negócio. Vi pessoas boas querendo fazer o melhor para uma empresa que tem valores. Foi aí que aprendi a ser conselheira”, conta. Ela está ainda no colegiado do Instituto Ayrton Senna.

As companhias de capital aberto é que estão liderando uma transformação visível. Pela primeira vez duas empresas estão com quatro mulheres efetivas no conselho de administração: Natura e TIMNo caso da Natura, são quatro de 12 assentos; e da TIM, quatro de 10.

Outro dado a ser comemorado é que o número de companhias que agora têm o selo Women on Board (WOB), dado a empresas que têm ao menos duas conselheiras efetivas em seus quadros, já soma 43 – o selo foi lançado em outubro de 2019 com apoio da ONU Mulheres.

A leva deste ano mudou. Ainda tem muito ‘greenwashing’ [boas práticas só para inglês ver], mas vejo muitos conselhos se transformando. Vemos mais negras, como a Rachel Maia [ex-CEO da Pandora e Lacoste], vemos jovens, a diversidade está aumentando. Estamos ainda engatinhando na diversidade de formação, já que 80% dos assentos ainda são ocupados por pessoas com a formação financeira, mas até nisso vemos mudanças, com a inclusão de mais pessoas ligadas a Recursos Humanos, por exemplo, e Sustentabilidade ocupando cargos em conselho. É preciso ter diversidade de gênero, de idade, de formação e racial”, comenta Leila, da WCD.

Rachel Maia, citada por Leila, entrou em nada mais nada menos do que quatro conselhos do fim do ano passado para cá: Grupo SOMA, Vale, CVC e Banco do Brasil.

Tartaruga

O ritmo de mudanças, porém, poderia ser bem maior. Segundo o último Estudo de Conselhos de Administração da consultoria Korn Ferry, com dados de 2020, a presença das mulheres nos conselhos de administração das empresas brasileiras passou de 7% em 2014 para 14% em 2020, com base em informações de 81 empresa. Ainda é inferior a outros países.

Se a análise for feita apenas com base nos conselheiros independentes, o percentual de mulheres sobe para 20%, enquanto em 2016 eram apenas 7%. Nesta edição da pesquisa foram identificadas apenas três mulheres como presidentes de conselhos de administração no Brasil, o que representa menos de 4% do total das empresas participantes.

O agravante é que as empresas de capital aberto, que estão sujeitas a algum tipo de regulamentação que obriga a ter conselhos, soma cerca de 400, apenasA massiva maioria das companhias no Brasil é familiar ou muito pequena para comportar um colegiado. Algumas já começam a ter conselhos consultivos para chamar gente de fora para dar pitacos. Mas não é, ainda, a regra.

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