Levantamento mostra que há somente 2 executivas CEOs e 14 presidentes de conselhos de administração no Novo Mercado da B3.
Por Juliana Schincariol e Kariny Leal — Do Rio
Apesar das discussões sobre a relevância da diversidade no ambiente corporativo, a alta administração das principais empresas brasileiras se mantém como um “clube do Bolinha”. Atualmente, há apenas 16 mulheres no topo das companhias abertas que seguem os mais altos padrões de governança corporativa no país. Considerando CEOs e presidentes de conselhos de administração, há 396 assentos no Novo Mercado da B3, e menos de 1% deles é ocupado por executivas. A constatação é de um levantamento feito pelo BMA Advogados, a pedido do Valor.
Nesse grupo, há mais mulheres presidindo conselhos do que na liderança executiva das companhias. Enquanto 14 delas estão à frente dos “boards”, somente 2 são presidentes executivas: Jeane Tsutsui, do Fleury, e Tarciana Medeiros, do Banco do Brasil. Sheilla Albuquerque foi eleita como CEO da Agrogalaxy Participações, mas se afastou por motivos de saúde e se mantém como diretora.
Em teoria, os argumentos favoráveis à diversidade são conhecidos: além de melhorar a governança e o desempenho do negócio em si, funciona como inspiração para mulheres que buscam ocupar cargos de chefia. “O grande desafio é a conscientização da importância do ambiente diverso. Algumas empresas buscam somente cumprir protocolos e não obrigatoriamente entendem o valor disso”, afirma Patriciana Queirós Rodrigues, que lidera o conselho da Pague Menos.
Na rede de farmácias, 58% são mulheres, e apesar de as funcionárias ocuparem 42% das gerências, a diretoria ainda não tem representatividade feminina forte. Uma das medidas para reduzir essa lacuna é a criação de programas de trainee voltados para o que a empresa chama de públicos prioritários, que incluem, além de mulheres, pretos e pessoas com mais de 50 anos. Outras empresas também possuem iniciativas próprias, caso do Magazine Luiza e do Grupo Fleury.
Ainda hoje, ao chegarem nos cargos mais altos, as mulheres passam por situações que demonstram que aquelas posições não foram criadas pensando na liderança feminina. Isso aconteceu com Paula Goto, presidente do conselho da Tupy e diretora de planejamento da Previ. Quando engravidou, há pouco mais de três anos, não havia previsão de licença maternidade para membros da direção do fundo de pensão.
O normativo, então, foi alterado. Goto pôde acompanhar de perto os primeiros meses de vida do filho e ainda deixou esse legado para as próximas diretoras que engravidarem durante o mandato. Agora, no conselho da Tupy, um dos focos da “chairwoman” é a expansão dos programas de diversidade. A executiva também oferece mentorias para outras mulheres. “A diversidade gera inovação e gera valor no longo prazo”, afirma.
Na última temporada de assembleias, houve eleições para conselhos em 109 companhias que compõem o Novo Mercado. No total, 777 novos membros foram escolhidos – 16,1% deles são mulheres. A maioria ainda segue o padrão de ter apenas uma mulher entre os conselheiros. “Há muito o que melhorar na alta liderança. A presidência dos conselhos ainda é muito díspar da participação em conselhos”, afirma a advogada Ana Paula Reis, sócia do BMA Advogados que liderou o levantamento.
Luiza Trajano, presidente do conselho do Magazine Luiza, enxerga o copo “meio cheio”. “Em anos anteriores, esses números eram menores. Estamos longe do ideal, mas tem aumentado. Tenho certeza de que vai crescer rapidamente nos próximos anos até alcançarmos a equidade”. Na varejista, o conselho tem quatro mulheres entre as sete posições.
Trajano defende a prática de cotas para aumentar a participação de mulheres na presidência dos conselhos, especialmente como membros independentes. “Essa é uma fórmula para diminuir o problema em uma velocidade maior. Por isso, muitas vezes, mesmo não sendo compreendida, defendo as cotas. É um processo transitório para equilibrar a desigualdade.”
Tsutsui, do Fleury, alerta sobre a importância de aumentar o número de mulheres desde os processos seletivos. “Mesmo quando a contratação é feita por consultorias externas, estamos atentos”, afirma. Além disso, quanto mais o assunto for discutido, o comportamento social será mudado. “Nós precisamos falar mais sobre isso. Talvez há alguns anos não há alguns anos não haveria constrangimento se víssemos painéis sem a participação de mulheres em algum fórum, por exemplo, o que ocorre atualmente.
Medeiros, presidente do BB, faz coro à ideia de que a redução da diferença entre homens e mulheres deve começar na seleção de candidatas. “Se eu analisar 10 currículos de homens para determinada vaga, eu vou procurar também 10 mulheres para aquela função. Precisamos sair do diagnóstico e ir para a prática”, defende. Primeira mulher a dirigir a instituição financeira em 214 anos, desde que assumiu o cargo, em janeiro, a executiva tem buscado a equidade de gênero na direção da companhia, assim como nas outras empresas do conglomerado. No BB, a composição do conselho é paritária entre homens e mulheres.
A jornada foi longa até chegar à principal cadeira do banco, e assim como diversas outras executivas do país, foram diversas as situações que Medeiros era a única mulher. “Era comum entrar em uma sala de reunião e tentar colocar uma ideia que eu sabia que era a melhor, mas que não tinha ninguém para ouvir”, diz. Uma estratégia criada por Medeiros foi levar outras colegas junto com ela nessas ocasiões, e outras gestoras faziam o mesmo com ela. “Precisamos alcançar os espaços e levar outras conosco”, completa.
De acordo com as novas regras de diversidade da B3, a partir de 2025, as companhias brasileiras listadas em bolsa devem eleger ao menos uma mulher e um integrante de comunidade sub-representada – pessoas pretas, pardas ou indígenas, integrantes da comunidade LGBTQIA+ ou pessoas com deficiência – para seus conselhos de administração ou diretorias.
Como os assentos poderão ser destinados a um ou outro, e algumas empresas já possuem mulheres nesses quadros, a representatividade feminina não necessariamente vai aumentar, acreditam as representantes da fundação Women Corporate Directors (WCD). “Os países que tiveram aumento de mulheres nos conselhos foi porque o regulador interveio. Precisamos estabelecer prazos para as empresas se adaptarem, mas também [determinar] um percentual mínimo”, afirma a cochair da fundação, Cristiane Azevedo, citando países como França e Noruega.